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Proposta

Governo Bolsonaro planeja norma para controlar ação de ONGs na Amazônia

A proposta do governo de controlar ONGs e barrar suas atividades em nome de "interesses nacionais" é considerada inconstitucional


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O governo Jair Bolsonaro planeja formas de estabelecer controle sobre as organizações não governamentais (ONGs) que atuam na Amazônia. Por meio de um marco regulatório, a proposta é ter o "controle" de 100% das entidades na região até 2022 e inclui limitar entidades que, na avaliação do Executivo, violam "interesses nacionais". O plano consta de documentos, obtidos pelo Estadão, elaborados pelo Conselho Nacional da Amazônia Legal. O colegiado é presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão.

As discussões sobre bloquear ou limitar atividades de ONGs ocorrem no momento em que o Palácio do Planalto avalia se vai manter seu discurso ambiental com a vitória do democrata Joe Biden, nos Estados Unidos, e o País sofre desgaste no exterior por causa do desmatamento. Mourão promoveu viagem com diplomatas de dez países pela Amazônia na última semana.

O governo busca recuperar investimentos, como os do Fundo Amazônia, que foram perdidos após batalha do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com entidades de preservação.

Os documentos obtidos pela reportagem foram encaminhados por Mourão a ministros. Não há detalhes sobre quais "interesses nacionais" devem ser seguidos para que uma ONG seja autorizada na região. Sem provas, Bolsonaro já acusou essas organizações de incendiar florestas e prejudicar a imagem do País. Um dos objetivos do conselho presidido por Mourão trata de "garantir a prevalência dos interesses nacionais sobre os individuais e os políticos". Neste tópico, a meta é "obter o controle de 100% das ONGs, que atuam na Região Amazônica, até 2022, a fim de autorizar somente aquelas que atendam os interesses nacionais".

No seu plano, o governo prevê "ações setoriais", como "criar marco regulatório para atuação das ONGs". Não há uma proposta pronta de nova legislação. A missão de preparar a minuta está nas mãos dos ministérios da Justiça, do Meio Ambiente e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia 237 mil ONGs e outras entidades sem fins lucrativos no Brasil em 2016. O Sudeste concentrava a maior parte (48,3%). O restante estava no Sul (22,2%), Nordeste (18,8%), Centro-Oeste (6,8%) e Norte (3,9%). Os dados mostram que essas entidades apresentavam, principalmente, vocação religiosa (35,1%). Atuação específica em "meio ambiente e proteção animal" não alcançava 1% do total. Mapa feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a partir de base de dados mais ampla indica, porém, 782 mil organizações da sociedade civil no Brasil. Por esse estudo, elas estão mais presentes no Sudeste (41,3%), em seguida Nordeste (24,9%), Sul (18,6%), Centro-Oeste (8%) e Norte (7,2%). A maior (47%) atua no "desenvolvimento e defesa de direitos". No recorte do Ipea, o Greenpeace, por exemplo, opera nesta categoria.

Inconstitucional

A proposta do governo de controlar ONGs e barrar suas atividades em nome de "interesses nacionais" é inconstitucional, avaliam Aline Gonçalves da Silva e Eduardo Pannunzio, do Grupo de Pesquisa de Organizações da Sociedade Civil da FGV Direito SP. Os dois afirmam que já existem processos para criação e controle dessas organizações. Lembram, ainda, que a abertura de uma entidade deste tipo depende da elaboração de estatuto, registro em cartório, entre outras burocracias, mas não requer aval estatal. Além disso, só a Justiça pode suspender ou dissolver uma associação assim.

O termo ONG não existe na legislação brasileira. As organizações conhecidas por este nome, porém, são entidades privadas, sem fins lucrativos, que têm objetivos sociais. Caso a associação ou fundação receba verba pública, o controle sobre as atividades é maior e envolve o Ministério Público. Os pesquisadores dizem ainda que o Executivo não pode delimitar o que é interesse nacional. "Para a Constituição, a proteção do ambiente é um interesse. Atribuição não só do governo, mas da sociedade. As organizações talvez tenham histórico melhor do que o governo na defesa desse interesse nacional", disse Pannunzio. "Apresentar outra visão sobre desenvolvimento econômico da Amazônia não é uma proibição (para criar uma associação ou fundação). Ter opinião contrária à do governo não é ilícito", emendou Aline.

A ideia preocupa ambientalistas, mas não surpreende. A porta-voz de Políticas Públicas do Greenpeace, Luiza Lima, afirma que o governo expressa há tempos o desejo de limitar o trabalho das ONGs. "Lamentavelmente, estamos diante de indícios de que o governo Bolsonaro não compactua com preceitos básicos de democracia e participação social", afirmou ela.

"Não querem passar pelo crivo do povo e pretendem se impor sem diálogo com a sociedade", disse Ariana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA).

Mourão e ministros se reuniram em sessão do Conselho da Amazônia na última terça-feira. Integrantes do grupo receberam naquela data o mesmo documento obtido pelo Estadão. À imprensa, o vice-presidente disse que o encontro serviu para delimitar o planejamento do colegiado, que tem "três grandes objetivos estratégicos gerais": preservação, proteção e desenvolvimento sustentável.

Cada tópico foi discutido em subcomissões e tem "objetivos operacionais", com "metas" e "ações setoriais". A tutela das ONGs está dentro da discussão sobre "proteção". O próximo passo do grupo de Mourão é reunir técnicos de diversos ministérios para traçar o prazo de entrega de cada objetivo.

Parte dos conselheiros só soube da proposta de tutela das ONGs após receber o documento, na terça. Duas autoridades que acompanham as reuniões dizem que militares e representantes da Agricultura divergem sobre a condução dos trabalhos no Conselho. O último grupo teme a paralisação dos debates por críticas a propostas, como a de controle das ONGs

O site atribunainf.com teve acesso à apresentação feita por um subordinado de Mourão na reunião do Conselho. No documento, a Amazônia é tratada como "espaço vital" para o mundo por possuir "recursos estratégicos", cobiçados por países como Inglaterra, França, Estados Unidos e Alemanha. Procurados, os ministérios da Justiça, Relações Exteriores, Meio Ambiente, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Vice-Presidência não se manifestaram.

Organizações evangélicas

Apesar de apontar as ONGs como culpadas até por incêndios na Amazônia e planejar tutelá-las sob o argumento de defender os "interesses nacionais", o governo mantém relação amistosa com algumas dessas organizações. Nos planos do Conselho Nacional da Amazônia Legal, inclusive, existe a ideia de "potencializar a bioeconomia" ao valorizar o "capital intelectual" de centros de pesquisa, universidades e ONGs.

Entidades sem fins lucrativos receberam R$ 5,48 bilhões do governo em 2020, segundo dados do Portal da Transparência. A maior beneficiada é a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que levou R$ 709,9 milhões. A terceira colocada é uma ONG: a Missão Evangélica Caiuá, que presta atendimento médico a comunidades indígenas e recebeu R$ 163 milhões. O governo federal terceiriza esses serviços para a entidade desde gestões do PT.

Em 2019, o Estadão encontrou postos de atendimento em situação considerada "deplorável" por funcionários contratados pela ONG em Dourados (MS), onde fica a sede da organização. Havia portas arrombadas e tapumes no lugar de janelas, uma única viatura sem combustível para atender as aldeias, falta de remédios e de equipamentos para exames.

Egresso da ONG americana Novas Tribos do Brasil (MNTB), acusada de proselitismo religioso e contato forçado com indígenas, o pastor e ex-missionário evangélico Ricardo Lopes Dias não foi barrado do governo Bolsonaro. No começo do ano, Lopes Dias se tornou coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai). A nomeação foi criticada e levada à Justiça, mas mantida pelo governo. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), uma das principais ONGs do setor, protestou.

À época, a entidade disse que o País ficaria sujeito a "crimes de genocídio e etnocídio", que seriam cometidos contra "nossos parentes isolados e de recente contato", caso se concretizasse a nomeação de alguém ligado ao "proselitismo religioso para o setor da Funai"

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