AFábrica Martins, do Grupo Martins & Irmão e Cia, foi a maior indústria genuinamente maranhense, comandada desde os seus primórdios pelo português Manoel Pereira Martins que depois de uma saboaria no interior do estado, se transferiu para São Luís e construiu a maior indústria do ramo no Maranhão, sendo pioneiro na produção industrial de óleos vegetais, sabões, sabonetes com excelência de qualidade, e o primeiro algodão hidrófilo do Brasil. Seus produtos fizeram sucesso no Brasil e no exterior, notadamente na Europa e Estados Unidos da América.
Consta que foi ainda no Século XIX, que Manoel Pereira Martins, português de Aveiro, depois de desenvolver o fabrico de sabão de andiroba na região de Morros, decidiu vir para São Luís, capital da província, com o propósito de ampliar seus negócios. Na segunda metade daquele século, já havia os Martins, se tornado sócios proprietários da Fábrica Santiago. Conforme Jerônimo Viveiros, à época, depois da depilação de arroz, a indústria de maior importância eram as saboarias.
E assim surgiu a fábrica dos Martins, localizada no Largo de Santiago, ao lado de várias fábricas de beneficiamento de arroz, sendo, para isso, uma foi adquirida por Manoel Pereira Martins, que deu continuidade ao beneficiamento de arroz e paralelamente a fabricar sabões. Logo deu início à atividade de extração de óleos vegetais.
A Fábrica Santiago se iniciou com o trabalho escravo, na sua maioria, mas alguns trabalhadores já eram alforriados ou livres, e já nas décadas finais do Século XIX, passou a operar com trabalho assalariado. Assim, a fábrica de Martins & Irmão, situada no Largo de Santiago foi diversificando sua produção com a extração de vários óleos de origem vegetal como óleo de andiroba, mamona, gergelim, e de babaçu. A produção de sabão tinha como base principal nos sebos e essências de várias origens, no extrato da andiroba e na mistura de óleos, que na região possuía abundantemente. Estas matérias primas vinham do vale dos rios Munim, Itapecuru e Mearim.
Do Santiago à Madre de Deus
O Largo de Santiago, à época, apesar de já possuir edificações de boa qualidade, até o século XIX, se configurava como uma área periférica, localizada nos confins da cidade, no extremo sul, ainda quase mata virgem, entre o lamaçal do Bacanga e os apicuns da Quinta do Gavião, na região chamada de Ponta de Santo Amaro.
Foi nesta região que surgiu o bairro da Madre de Deus, que teve início em 1713 com a construção da igreja de Nossa Senhora da Madre de Deus, onde hoje funciona o Hospital Tarquínio Lopes. Os espaços existentes nos arredores da ermida, foram povoados por pescadores e no final do Século XX foi que se desenvolveu, ao ser habitada, principalmente, pelos operários da Fábrica dos Martins e das fábricas de tecidos São Luís e Cânhamo, que foram instaladas na Rua São Pantaleão, e Santa Amélia, na Rua das Crioulas, hoje Rua Cândido Ribeiro.
Jerônimo Viveiro, no seu livro "História do Comércio do Maranhão", avalia que das fábricas existentes em São Luís, à época, a de Manuel Martins foi a que mais prosperou, produzindo magníficos sabonetes, iguais aos da França. A excelência qualitativa dos sabões e os sabonetes produzidos pelos Martins foram destaque na exposição "Festa Popular do Trabalho" realizada em 1873. A qualidade dos produtos Martins era tão superior, que um concorrente, acusou Manuel Martins de ter exposto na mostra, produtos franceses como se fossem de sua fábrica. O empresário desfez-se da acusação, oferecendo à Comissão Organizadora, as aparas das esferas expostas, provando que se tratava, realmente, de produtos locais.
Empreendedorismo pioneiro
Consta que neste período, Manuel Martins, mandou buscar em Aveiro – Portugal, seu irmão João Pereira Martins, para ajudá-lo na ampliação da fábrica. Jerônimo Viveiros avaliou que os irmãos Martins foram os pioneiros na extração de óleo de babaçu e lembrou que o azeite de babaçu foi usado por muito tempo na iluminação de moradias, visto não ter valor comercial. Somente em 1891, o produto teve sua primeira cotação pela empresa comercial Martins & Irmão. Conforme Viveiros, a conclusão é de que as fábricas de beneficiamento de arroz e as de sabão, já se destacavam antes do avanço das fábricas têxteis e de vários ramos, o que aconteceu no Maranhão, na última década do Século XIX, quando comerciantes e proprietários rurais investiram o capital que ainda possuíam, nas atividades industriais, principalmente as de tecidos.
Plenitude industrial
A Fábrica Martins & Irmão atingiu sua plenitude no final do Século XIX com a manufatura de óleos, sabão, velas e beneficiamento de arroz.
externo no início do século XX. A Fábrica dos Martins, já na segunda metade do século XIX, produzia sabões e sabonetes, utilizando óleos diversos, inclusive de babaçu, o que lhe garantiu uma dianteira significativa sobre os outros empresários. Já na segunda parte da primeira metade do século XX, as atividades com o babaçu ganharam maior espaço e a partir de 1935, os negócios com o produto cresceram bastante e, até 1945 o volume exportado aumentou chegando a 150% das vendas.
A Fábrica Martins mantinha no mercado, produtos de qualidade sendo pioneira no Brasil, na produção do algodão hidrófilo, especial para uso na Medicina; sabão, óleos vegetais e gelo, que era fornecido para as embarcações chamadas geleiras, usadas para o transporte de pescados do mercado produtor, na região do litoral maranhense, para a capital. Em São Luís o gelo da Fábrica Martins, tinha também fiel clientela na classe média que não possuía geladeira e comprava o gelo em quilo na carroça da Martins, que era operacionalizada por um carroceiro que percorria as ruas da cidade promovendo a distribuição do produto. O sino mantido na carroça, anunciava a passagem do "geleiro".
O sabão Martins era líder no mercado, sendo seguido pelo sabão de andiroba produzido em Axixá, Morros, Icatu e outros municípios da Região do Munim. Em São Luís o mercado varejista impulsionava as vendas do sabão Martins destacando-se no Mercado Central, como maiores vendedores do produto as mercearias Casa Cristal, do comerciante João Petrus Filho; Casa União, de Amadeu Cutrim Pinto e as barracas localizadas no interior do mercado, promoviam a venda do produto no varejo que à época era chamada de "a retalho", isto é, em quantidade fracionada em menor volume.
Grande empregador
Com o passar do tempo, a Fábrica Martins, mudou sua razão social para Martins, Irmão & Cia, com vários sócios: João Pereira Martins, Manoel Pereira Martins, Dr. João de Vasconcelos Martins e Thomas Marques dos Santos, todos membros da mesma família. O empreendimento oferecia empregos diretos com trabalhadores assalariados e os indiretos, absorvendo mão de obra prestadora de serviço, como fornecedores das amêndoas do babaçu, fornecedores de lenha que era extraída dos manguezais existentes na áreas alagadas pelo mar, ao redor da ilha e até mesmo trazidas de municípios como Alcântara, Bacurituba, Cajapió e outros. A lenha de mangue trazida do interior tinha compradores que eram os "atravessadores" do produto revendido por estes para padarias, companhia de fornecimento de energia elétrica, e também para as fábricas que se utilizavam de caldeiras na manufatura de seus produtos.
Escambo desigual
A Fábrica Martins & Irmão mantinha negócios com comerciantes do interior, que eram responsáveis pela compra da principal matéria prima, as amêndoas de babaçu, adquiridos dos lavradores que se dedicavam à atividade extrativista. Nisto as mulheres e as crianças tinham papel de grande importância, visto que efetivavam a cata dos cocos nas matas e passavam para as "quebradeiras" que extraiam as amêndoas com um machado afiado e uma manceta (pedaço de pau). Na verdade, este segmento tinha o papel mais importante e o trabalho mais duro, mas era o que menos ganhava. Isto porque, os comerciantes locais, forneciam produtos alimentícios pelos quais cobravam preços majorados e que eram trocados pelas amêndoas.
A Fábrica Martins mantinha compradores no interior e armazéns em Pedreiras, Bacabal e outros distritos localizados na zona dos babaçuais e facilitava o transporte de sua matéria prima. Para facilitar a navegação pelo Rio Mearim, em épocas de estiagem, a empresa comprou um lancha de metal com fundo chato e que chegava a todos os rincões das comunidades ribeirinhas para recolher o produto, dos comerciantes e dos pequenos produtores regionais, que assim negociavam diretamente com a empresa, sem a presença de atravessadores.
A Fábrica Martins, além da produção do seu "carro chefe", o sabão, também exportava para grandes centros, inclusive para o exterior, outros produtos com o óleo de babaçu, algodão medicinal, dois tipos, o da marca Martins e outro com o nome Pasteur em homenagem ao cientista francês.
Ambos eram bem aceitos na Europa, em países como Inglaterra, Holanda e Estados Unidos. Além destes produtos, exportava também a torta do babaçu, subproduto sem valor comercial no mercado local, usada para ração de animais, mas que na Alemanha, principal importador, era reprocessada e dali extraído mais óleo, que era muito utilizado na produção de cosméticos.
O fatal declínio
O sabão Martins, principal produto da Fábrica Martins & Irmão se manteve no mercado local por mais de um século, e a empresa passou, pelo menos por três gerações da Família Martins, proprietária da fábrica.
Mas, os negócios entraram em declínio em função de mudanças verificadas na economia mundial com reflexos bastante negativos na economia brasileira e as comercializações dos produtos foram sendo inviabilizadas. Seus proprietários lutaram para evitar o fechamento da empresa, mas o endividamento foi crescente a resultou no encerramento das atividades da mais importante indústria maranhense.
A falência da Fábrica Martins se concretizou com seu fechamento em 21 de dezembro de 1968, sepultando os sonhos de centenas de famílias que tinham, ali, o seu meio de subsistência.
Agora é uma rede de supermercados
As antigas instalações da Fábrica Martins foram utilizadas, posteriormente, por vários estabelecimentos comerciais como o Depósito Humberto; a Cinorte, empresa do ramo automobilístico e depois a casa de jogos Bingo Tentação.
Atualmente abriga uma das unidades do Grupo Mateus, o Supermercado Mateus Cajazeiras, que construiu na vasta área de terreno, a sua loja, mas manteve as ruínas da antiga fábrica, tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, que foram adaptadas para receber a visitação pública.
O Imparcial