Para tiktokers de educação, vídeos despertam curiosidade para novos conhecimentos. Desafio de 'passar mensagem' em espaço curto de tempo ganhou ajuda com aumento do limite de duração para 3 minutos. Professores no TikTok dão dicas de matemática, português e até divulgação científica
Tem o que está trendando agora, tem dancinha, tem dublagem e tem também conteúdo de educação no TikTok. Alguns professores brasileiros já ultrapassam 1 milhão de seguidores na plataforma. Na feroz disputa pela atenção na timeline, há vídeos para engajar quem tem problemas com química (como aprender a calcular o Mol), os usos da palavra mais falada da semana passada ("cringe" na aula de inglês), a diferença entre "tinha pago" e "tinha pagado" e quem foi o nigeriano que liderou as pesquisas da vacina da Pfizer.
Uma marca forte do TikTok é a breve duração de seus vídeos. Na última sexta (1º), a plataforma anunciou que vai ampliar a duração dos vídeos para até 3 minutos. Para os professores ouvidos pelo G1, apesar de a novidade abrir novas possibilidades, a "cara" da ferramenta não deve mudar, e a produção ainda se concentrará em vídeos rápidos e curtos.
E dá para aprender em vídeos curtos?
"Se a gente ampliar o conceito de ensinar, dá, porque TikTok é uma interface de vídeo que permite conversa. O professor pode criar o conteúdo com vídeos e ali conversar com alunos sobre aquele tema. O professor precisa estar disponível. A lógica da internet é colaboração e autoria", analisa Edméa Santos, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) que pesquisa cibercultura e educação há 25 anos.
Os professores também dizem que a educação precisa estar onde os alunos estão.
"Eu acredito que a educação precisa estar em todos os lugares, já que é através dela que nós vamos melhorar e mudar o nosso país", diz Gabriel Cabral, professor de química da rede privada, que produz vídeos no TikTok com dicas sobre a matéria, onde tem mais de 400 mil seguidores.
"Apesar da ter opção de fazer vídeos de até 3 minutos, a galera ainda não tá usando muito. Acredito que a pegada do TikTok eh muito dos vídeos curtos e, neste sentido, é bastante desafiador ensinar uma matéria que os alunos nem gostam tanto assim em apenas 1 minuto. Mas com muita música, muitos macetes e bastante diversão, dá para aprender a 'jogar' na química", afirma.
Sandro Curió, o @matematicasandrocurio, professor de matemática da rede privada com mais de 1 milhão de seguidores no TikTok, aposta em macetes para os alunos decorarem fórmulas. "Não só aprende como pega macete para aprender algo que já sabia", afirma. "Consigo levar as pessoas a aprenderem de forma rápida e fácil, para ganhar gosto pela matemática", diz.
Professores aderem ao TikTok com dicas rápidas e pílulas de conhecimento.
Reprodução/TikTok
Noslen de Oliveira, o @professornoslen, professor de língua portuguesa com mais de 500 mil seguidores, defende a aprendizagem na internet e nas redes sociais. "A ideia é exatamente mostrar que a educação está em todos os lugares e a gente pode aprender em todos os lugares. Meu desafio é mostrar que a língua portuguesa está em nosso cotidiano e poderíamos aprender em qualquer local", fala.
"Para o TikTok, educação é mais do que este conceito que temos de matérias, de conteúdo escolar, de fato. A ideia é passar para pessoas qualquer tipo de conteúdo que elas possam aprender, e ponto final. Você abraça mais temas do que propriamente a educação formal, como a gente entende", afirma Ronaldo Marques, líder de parcerias de conteúdo do TikTok Brasil.
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No entanto, usar o TikTok só para acessar conteúdo educativo tem obstáculos. Não há como bloquear determinados temas na timeline. Também não é possível receber somente vídeos de educação.
Uma das opções para navegar em conteúdos mais específicos é pesquisar hashtags como #vestibular, #Enem, ou algumas específicas promovidas pela ferramenta, como #aprendinoTikTok ou #agoravocêsabe.
Como chamar a atenção no TikTok?
Os primeiros três segundos do vídeo são essenciais para captar a atenção no vídeo, afirma Marques.
Em geral, os professores usam bordões ou falam do assunto em destaque para depois desenvolver o raciocínio.
Gabriel Cabral costuma começar os vídeos de química com uma musiquinha animada que ele inventou, e que termina com a frase "o Cabral vai te ensinar". Sandro Curió começa o vídeo chamando a atenção com outro bordão, o "nunca mais você vai errar", antes de explicar uma conta.
Outra dica é ficar atento às "trends", ou seja, aos assuntos ou músicas em destaque, e usar as hashtags ligadas ao tema.
A engenheira Luiza França, que dá dicas de inglês no TikTok com o perfil @inglesdaluiza e tem mais de 900 mil seguidores, foi uma das que aproveitou a onda sobre a palavra inglesa "cringe" para produzir um vídeo e alcançar a audiência.
A engenheira Luiza França, que dá dicas de inglês no TikTok com o perfil @inglesdaluiza. Ela criou um curso de inglês após viajar para 24 países.
Arquivo Pessoal
O termo entrou em evidência em meio a uma "guerra" geracional entre as gerações Z e millennials. Até sexta-feira (2), vídeos com a hashtag sobre o termo já tinham ultrapassado 11 bilhões de visualizações.
Luiza faz parte deste número. Ela gravou um vídeo explicando como a palavra é usada, inclusive citando a pronúncia do termo. Usou as hashtags #cringe, #millennial e #genz, e deixou a distribuição do conteúdo para o algoritmo. Desde 21 de junho até esta sexta, teve mais de 190 mil visualizações.
Além de matérias, divulgação científica
Além do conteúdo curricular, também é possível encontrar no TikTok vídeos sobre divulgação científica.
Um dos perfis que fazem isso é o da Kananda Eller, a @deusacientista, professora de química e fundadora do Pré-Vestibular Social Quilombo Amigos do Bem, que tem no TikTok mais de 51 mil seguidores.
Kananda conta que está nas redes para fazer divulgação científica preta, destacando invenções e descobertas feitas por homens e mulheres negros, como a invenção do semáforo, o desenvolvimento do fermento, a animação do Gif, o identificador de chamadas, o tratamento para catarata, e até do condicionador para cabelos.
Kananda Eller, professora de química e fundadora do Pré-Vestibular Social Quilombo Amigos do Bem, faz divulgação científica no TikTok com o perfil @deusacientista
Arquivo Pessoal
Recentemente teve um vídeo de destaque ao informar que o líder dos estudos clínicos da vacina da Pfizer era um nigeriano, o médico Onyema Ogbuagu.
A ideia veio após a repercussão de um vídeo satírico sobre os e-mails que a farmacêutica mandou para vender vacinas ao Brasil. A estratégia foi costurar o áudio do vídeo que viralizou à voz dela, falando sobre Ogbuagu.
"O tema estava em alta por causa da CPI da Covid. A notícia sobre o Onyema Ogbuagu já estava divulgada há um tempo, mas pensei em retomar para dizer que há cientistas pretos fazendo diferença", afirma.
Ela marcou a hashtag #pfizer, que tem mais de 600 milhões de visualizações. Desde 16 de junho, vídeo de Kananda acumulou parte deste sucesso, com 1,9 milhão de views.
Cuidado com crianças pequenas
Rodrigo Baglini, professor de história, geografia e educação digital da rede municipal de São Paulo.
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A produção de vídeos no TikTok precisa ser atenta às características da ferramenta e à idade dos alunos, alerta Rodrigo Baglini, o @professorbaglini, professor de história, geografia e educação digital que dá aulas para 14 turmas da rede municipal de São Paulo. "Acho que o TikTok desperta, aguça a curiosidade", afirma.
Rodrigo usa o TikTok para fazer vídeos para alunos do ensino fundamental – mas, como são crianças pequenas, a estratégia é produzir e editar o vídeo no TikTok, mas distribuir em grupos de WhatsApp. "Nem divulgo minha conta para meus alunos", conta. Ainda assim, tem na rede quase 6 mil seguidores.
"Nos anos iniciais, principalmente em processo de alfabetização, o aluno precisa de auxílio, ainda está desenvolvendo a autonomia. Minha preocupação no TikTok é escancarar muitas bobagens. A criança vê meu vídeo, passa o dedo, vai para outro vídeo adulto. É tudo muito rápido, por mais que o algoritmo tente personalizar a experiência", reflete.
Das salas de aulas para as redes sociais
Sandro Curio, professor de matemática da rede privada, que também produz conteúdo para o TikTok.
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Para alguns professores, a internet também é fonte de renda. Assim, eles se fazem presentes em várias redes sociais, multiplicando a abrangência dos conteúdos que produzem, ganhando escala. Um mesmo vídeo pode estar em várias plataformas, como TikTok, Reels (do Instagram), ou o Kwai.
E se um internauta gosta de um vídeo curto com uma dica, pode ser que se interesse em outro mais longo no YouTube, que paga ao autor contando visualizações. Os professores também vendem cursos desenvolvidos por eles, como preparatórios para concursos e vestibulares. Gabriel, Luiza, Noslen e Sandro oferecem aulas pagas na internet.
Gabriel Cabral, professor de química, produz vídeos no TikTok com dicas sobre a matéria, onde tem 394,2 mil seguidores
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Sandro conta que 80% da renda e trabalho são ligados à produção de vídeos, e 20% a aulas presenciais "para não perder o timing" dos alunos. Gabriel fala em 60% digital, e 40% presencial. "Ainda não inverti, meu objetivo é esse", aposta.
Luiza não dá aulas em escolas, mas montou um curso de inglês após viajar para mais de 24 países. O "treinamento" para abrir a escola foi nas redes sociais. "Comecei no Instagram em outubro de 2019 para entender como eu ensinaria, já pensando em criar o curso. E também me treinar como professora, de forma gratuita, sem pressão porque não pedia nada em troca", conta.
Noslen dá aulas para duas turmas presenciais em um colégio particular em Curitiba. O restante da renda vem do digital, onde começou a publicar vídeos no YouTube em 2016.
"Eu dava aula presencial e percebi que os alunos todos estavam com os celulares nas mãos. E sempre entendi a tecnologia como facilitadora da aprendizagem. Pensei: vou fazer o caminho inverso, em vez de tirar o celular do aluno, vou entrar no celular dele. E deu muito certo", relembra Noslen. Um ano depois, ele tinha 1 mil inscritos. Atualmente, são 3 milhões.
Noslen Borges de Oliveira, professor de língua portuguesa, está no TikTok dando dicas de gramática. Ele defende a educação em todos os lugares.
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