O velório que, segundo ela, facilmente teria mais de 500 pessoas, teve uma dezena de participantes, que não puderam se abraçar. Silvia agora convive com o pânico do vírus.
“Perder um parente para a covid na pandemia é diferente de você perder alguém para o câncer, para um acidente. É diferente porque tem um gatilho, é uma revolta. Tudo você acha uma falta de respeito. Se você vê bares lotados você acha que aquilo é falta de respeito com quem já se foi, parece que menosprezaram [essas vidas]”.
Desde então, a publicitária convive com o luto.
“Acho que a parte mais difícil disso tudo é não ter mais a pessoa nos seus planos”, conta. “Apaga tudo isso que eles iam [fazer]. Não tem mais esse futuro”, completa, ao lamentar que a “filha vai apenas tê-los na memória”.
O pesquisador em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Raphael Guimarães faz um balanço das fases da pandemia no Brasil. “A gente viu em outubro [de 2020] algo em torno de 1,2 mil, 1,3 mil mortes [diárias] e a gente ficava muito impactado com isso. E deve ficar mesmo, pois é um número assustador, mas houve dias em março e abril [deste ano] que tivemos cerca de 4 mil óbitos diários. Foi a pior fase da pandemia. E hoje a gente está aí nessa relativa estabilidade em torno de 500 casos. Hoje a gente tem um panorama um pouco melhor, mas ainda é um panorama que nos inspira muitos cuidados”, diz.
“Hoje a gente pode dizer que a gente está numa situação um pouco melhor porque agora vamos atingir 600 mil óbitos e lá se vão aí pelo menos três meses e meio, quase quatro. Então de alguma forma isso já está desacelerando”, pondera.
Segundo dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM) divulgados hoje (8), das 1.960 cidades pesquisadas, em 1.468 (74,9%) não houve registros de óbitos em virtude da covid-19 nesta semana. Em 1.174 (59,9%) dos municípios pesquisados, não houve internações no período.
Para o pesquisador, a vacinação foi essencial para que o Brasil conseguisse reverter a tendência crescente de mortes. “O que acabou acontecendo ao longo dos últimos meses foi que o aumento da cobertura vacinal, feito de forma gradativa, fez com que a gente tivesse cada vez mais pessoas protegidas contra as formas graves e fatais.”
De acordo com Guimarães, isso diminui a quantidade de óbitos efetivos e também reduz a pressão sobre o sistema de saúde, que, com menos internações, consegue ter um “respiro”.
O aposentado Luís Gonzaga da Silva Filho, de 72 anos, conseguiu tomar a vacina antes de cruzar com o novo coronavírus. Ele testou positivo em 14 de setembro. Dois dias depois do diagnóstico, a esposa, Jane Cruz Silva, de 71 anos, também testou positivo. Mesmo com comorbidades – pressão alta, diabetes, asma, sobrepeso e doença cardíaca – o aposentado conta que não sentiu nenhuma intercorrência mais grave.
“Apesar de a oxigenação estar abaixo de 90, eu não senti falta de ar, nem nada”, conta ele, vacinado com a CoronaVac há cerca de seis meses. O aposentado conta que procura tomar vitaminas e remédios para aumentar a imunidade, e que isso também pode ter contribuído para que ficasse apenas dez dias no hospital. Outro diferencial, na opinião de Luís, é que ele procurou ajuda médica logo que soube da doença.
Para o pesquisador da Fiocruz, só a vacina poderá acabar com as mortes no Brasil. “ A tendência, na verdade, é que a gente vá começando a desacelerar cada vez mais à medida que a gente mantiver a cobertura vacinal crescente.” Raphael Guimarães diz que o país já tem uma boa cobertura vacinal - segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 60% da população adulta já está com o ciclo vacinal completo. “A gente espera ter um alívio maior quando chegar [a um percentual] em torno de 70% da população”, disse.
Segundo a secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 do Ministério da Saúde, Rosana Leitte, a pasta já distribuiu mais de 300 milhões de doses da vacina. Hoje o ministério divulgou que o Brasil registrou a menor média de mortes de 2021. O índice contabiliza as mortes dos últimos 14 dias e está em 489 óbitos por dia.
“E isso mostra o avanço da vacinação, refletindo, nos últimos 100 dias, na diminuição de mais de 70% na taxa de óbitos. E é assim que nós venceremos o caráter pandêmico dessa doença”, disse a secretária.
Enquanto isso não ocorre, o cientista da Fiocruz alerta que os cuidados que viraram hábito desde o ano passado devem ser mantidos: higienizar as mãos, evitar aglomerações e continuar usando a máscara de proteção.
Fonte: Agência Brasil