"Efeito Dilma" assombra o governo na condução da polĂ­tica fiscal

Especialistas alertam para o risco da "contabilidade criativa" na condução do ajuste fiscal, provocada pela liberdade para gastar, este ano, devido à pandemia. Para 2021, chamam a atenção para o fato de que o desembolso sem limites não estĂĄ autorizado

Por Rosana Hessel - Posic textual - Ricardo Becker em 13/08/2020 às 09:26:36
(foto: Carlos Vieira/CB)

(foto: Carlos Vieira/CB)

Foi preciso que Paulo Guedes alertasse Jair Bolsonaro sobre o risco de ele sofrer um processo de impeachment por crime de responsabilidade fiscal para que o presidente assumisse, ontem, em rĂĄpida coletiva no começo da noite, seu compromisso com a manutenção do teto de gastos. A possibilidade de repetir os passos da ex-presidente Dilma Rousseff, explicitada pelo ministro da Economia, forçou o arrefecimento das pressões pelo desembolso.

A tentação pelo aumento de gastos tem origem na autorização, dada pelo Congresso por causa da crise provocada pela pandemia, para o governo gastar este ano, sem respeitar regras de contenção de despesas –– estimativas do mercado apontam para um rombo de quase R$ 900 bilhões nas contas públicas. Mas, para 2021, o aval para gastar sem limites não estĂĄ dado. Por isso, o sinal de alerta estĂĄ aceso.

O Orçamento do próximo ano tem pouquíssimo espaço de manobra para aumentasse desembolsos com os programas que Bolsonaro pretende criar, e para atender às demandas de parlamentares e de ministros do governo. A previsão de investimento no Projeto de Lei de Diretrizes OrçamentĂĄrias (PLDO) de 2021 é inferior a R$ 10 bilhões.

O especialista em contas públicas Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), não tem dúvidas de que o teto serĂĄ rompido ano que vem. Ele reconheceu que Bolsonaro pode repetir os mesmos erros de Dilma se não seguir a cartilha da responsabilidade fiscal e não tiver uma estratégia para a retomada bem elaborada.

"O risco é voltarmos às prĂĄticas da contabilidade criativa. Isso deve ser evitado. O ajuste fiscal dependerĂĄ, daqui em diante, de termos um plano de voo bem formulado. Para quem não sabe onde quer chegar, todos os ventos acabam sendo desfavorĂĄveis", explicou.

De acordo com dados de um relatório do Bradesco divulgado ontem, apesar de ter sido implementado hĂĄ poucos anos, o cumprimento da regra do teto estĂĄ cada vez mais desafiador. "Apesar do efeito positivo de médio prazo da aprovação da reforma da previdĂȘncia, as reformas adicionais necessĂĄrias para manter o teto tiveram suas discussões postergadas por conta da pandemia e, sem aprovações rĂĄpidas, hĂĄ uma insuficiĂȘncia potencial de cerca de R$ 15 bilhões para o seu cumprimento no próximo ano", destacou o relatório dos economistas Fernando Honorato e Myriã Bast.

A emenda constitucional do teto, aprovada em 2016, limita o aumento de despesas primĂĄrias como gasto com pessoal, PrevidĂȘncia Social e investimentos à inflação do ano anterior e é vista pelo mercado como uma âncora fiscal para evitar um novo descontrole nas contas públicas. Logo, se mudar a regra, poderĂĄ enfrentar a perda de credibilidade sobre a capacidade de conter o aumento de gastos.

Dilma deixou a PresidĂȘncia, em 2016, após ser enquadrada no crime de responsabilidade fiscal pelas chamadas "pedaladas fiscais". Mas o que a levou ao processo de impeachment foi a deterioração das contas públicas, após o excesso de gasto público além da crise financeira global de 2008 e 2009. O aumento dos gastos públicos acabou se estendendo pelos anos seguintes; pioraram o quadro fiscal e, desde então, o endividamento do país só cresce, agravando a recessão atual. O resultado das contas públicas passou para o campo negativo desde 2014 e, pelas estimativas da IFI, não deve voltar ao azul nesta década.

A especialista em contas públicas e uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal, Selene Peres Nunes, reforçou que a manutenção dessa âncora fiscal vem garantindo que a taxa bĂĄsica de juros (Selic) esteja no patamar atual, o menor da história. "O governo não vai conseguir evitar nova alta nos juros se não controlar o aumento de gastos", alertou.


Fonte: Correio Braziliense

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