Apesar de a Comissão Mista do Orçamento (CMO) ainda não estar instalada, por força do trabalho a distância mantido pelo Congresso durante a pandemia, o senador Marcio Bittar (MDB-AC) já foi definido como relator-geral da proposta orçamentária de 2021. Fechar a previsão de receitas e despesas da União para o próximo ano não será tarefa fácil — e ele sinaliza que deixará uma janela aberta para mudanças no teto de gastos.
A Emenda Constitucional (EC) nº 95, de 2016, limita o crescimento da despesa à variação da inflação, mas, segundo especialistas, corre o risco de não ser cumprida no próximo exercício. Em entrevista ao Correio, o senador contou que já está se reunindo informalmente com técnicos do governo e com assessores. E admitiu que a flexibilização do teto não estará descartada, mas precisará ser amplamente negociada.
"Alguma flexibilização no teto tem que ser conversada, mas de forma transparente", afirmou. "Se o governo brasileiro e o Congresso Nacional, se entenderem em torno de uma flexibilização, tudo vai ser muito conversado para não parecer uma mudança de rota em relação à proposta que foi eleita." Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
O Orçamento de 2021 está com pouquíssimo espaço de manobra. Como o senhor pretende encarar esse abacaxi?
Não vejo como um abacaxi. Vejo como uma oportunidade de mostrar interesse pelo país. O Orçamento, é, de fato, o mais apertado dos últimos tempos por conta da pandemia e, mesmo por isso, será o mais disputado. É preciso compreender o que é absolutamente legítimo e prestigiar o executor, o governo federal e, ao mesmo tempo, reconhecer que o Congresso tem toda a legitimidade. A Lei Orçamentária é uma das principais que o Congresso faz, e é natural que prefeitos e governadores demandem recursos. Vou procurar conversar com todos para abrir espaço para a execução do teto de gastos.
Vai ser possível cumprir a regra do teto?
Conversei com o presidente da CMO, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), e com o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o senador Irajá (PSD-TO). Vamos todos buscar o melhor possível para o país. É lógico que o governo federal tem a sensibilidade de que não dá para consertar tudo em apenas um ano. Vamos estudar abrir uma exceção para a lei do teto e ver como o mercado reage. Vamos ouvir todos. Tenho conversado informalmente com técnicos do governo. Faremos tudo com muita cautela e de forma clara. A transparência é uma arma para a segurança. Temos lei do teto e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Se o governo e o Congresso se entenderem em torno de uma flexibilização, tudo vai ser muito conversado para não parecer uma mudança de rota em relação à proposta que foi eleita, de austeridade fiscal e do pacto federativo.
Quer dizer que uma flexibilização não está descartada?
A proposta eleita foi a de austeridade fiscal. A PEC do Pacto Federativo é uma das peças que apontam para essa direção. Alguma flexibilização no teto tem que ser conversada, mas de forma transparente. Se tiver que tomar alguma medida, será uma exceção em função da pandemia. Isso será claramente entendido como algo necessário para o momento.
Como o senhor pretende conseguir esse espaço fiscal?
Dialogando. Tenho compromisso com a agenda política. O governo sabe que sou um leal aliado, de primeira hora. Também sabe que sou do parlamento. Não vai dar para agradar 100% do Executivo e do Legislativo. Vamos buscar o meio termo melhor possível.
Qual será a sua estratégia para conseguir uma flexibilização do teto na proposta orçamentária?
Toda crise é um momento de exceção. É absolutamente compreensível que, em momento de guerra, de tragédia, ocorra uma flexibilização. Não estou dizendo que vai haver (a mudança no teto). Eu digo que é uma possibilidade. Já fui comunista na juventude e morei em Moscou. Hoje, sou um defensor do livre mercado. Acredito no Estado que interfira o mínimo possível na economia e na vida das pessoas. E isso não tem nada a ver em reconhecer que (John Maynard) Keynes (economista britânico) estava correto ao defender o Estado atuando contra a recessão. Naquele momento, no pós-guerra, foi uma exceção. Momentos extraordinários aceitam medidas de exceção, que têm de ser claramente pactuadas, mas de forma transitória e passageira.
Como é a sua relação com o governo?
Sou um aliado do governo, não por relações pessoais. Eu defendo a agenda eleita em 2018 e entendo que essa agenda como compromisso para continuar com a responsabilidade e a austeridade fiscal.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu que há uma debandada na equipe. Isso não é um risco de essa agenda ser abandonada?
Não vejo risco. Ele estava desanimando com o momento. E os momentos de altos e baixos não são os melhores para se tomar decisão. Temos um Congresso reformador. Temos um presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é um liberal na economia e teve papel importante na reforma da Previdência. Assim como eu, ele defende a reforma administrativa e acha que ela deveria andar junto à reforma tributária e o Orçamento. E temos um presidente do Senado, o senador Davi Alcolumbre, afinado com o governo e com essa agenda. Paulo Guedes é um vitorioso. Ele não está pensando em benefícios pessoais, mas em uma causa. Ele quer deixar um legado para o país. Estarei ao lado dele e do governo nessa agenda. Ao contrário do que possa parecer, a pandemia criou uma necessidade absurda e total de continuarmos a agenda proposta na campanha. A reforma tributária tem que acontecer. A PEC do Pacto Federativo também, para aumentar o investimento em áreas produtivas.
Quais as lições dessa pandemia?
Se havia em alguma dúvida sobre a reforma do Estado brasileiro, a pandemia acabou com ela. Não podemos continuar gastando dinheiro e energia com desperdícios na máquina pública. O Estado não pode ter mais de 500 estatais e não tem lógica ter 800 mil imóveis funcionais. Qualquer gasto que seja feito neste momento excepcional tem que estar claro e transparente. Ao mesmo tempo, temos que acelerar a reforma do Estado e a reforma tributária. Ninguém aguenta mais esse cipoal de impostos.
A proposta de reforma tributária do governo não está clara ainda, e há a possibilidade da criação de uma nova CPMF.
A proposta do governo precisa ser melhor entendida. O ministro diz que ela vai ser encaminhada por partes. É preciso compreender que o ministro vem falando na soma de tudo. Ele diz que a proposta aponta para a diminuição da burocracia e da simplificação tributária, com troca de imposto por outro. Não vejo um programa que traga sonegadores para o sistema tributário como algo ruim. Todos sabemos que tem pessoas que fazem compras no Mercado Livre e não pagam impostos, porque não emitem nota fiscal. Há milhares de operações que estão à margem da lei e não recolhem tributos. Ter uma proposta que visa combater a sonegação é positivo. Não vejo a iniciativa de ampliar a base de arrecadação como uma coisa ruim.
Mas a primeira proposta que foi enviada ao Congresso, sem o novo imposto, segundo analistas, deve gerar aumento de carga...
O Congresso pediu protagonismo e o governo mandou um pedaço para ser acoplado ao projeto que a Câmara e o Senado estão construindo. A proposta que vem sendo defendida pelo ministro Paulo Guedes é: precisamos fazer uma reforma tributária que tenha o objetivo de simplificar, diminuir a burocracia e a quantidade de tributos. Isso não significa dizer que não se pode criar outro no lugar de dois ou três que forem eliminados. Mas o resultado final será simplificação, desburocratização e diminuição da carga tributária e, ao mesmo tempo, combate à sonegação.
Correio Braziliense