A recente debandada de secretários do Ministério da Economia expôs a divisão entre a ala do governo que quer aumentar os investimentos públicos para tentar estimular a economia e a equipe econômica, comandada por Paulo Guedes, cuja prioridade é o ajuste fiscal e a manutenção do teto de gastos. A divisão lançou mais dúvidas sobre a eventual prorrogação do auxílio emergencial de R$ 600 a trabalhadores informais e desempregados.
Até Guedes desabafar sobre o impasse com os "ministros fura-teto", o que se falava nos bastidores era que a equipe econômica estudava uma forma de estender o benefício até dezembro, embora com valor inferior aos R$ 600. As razões são econômicas e políticas.
De um lado, o benefício ajuda a recompor a renda dos brasileiros e a economia a se recuperar do baque sofrido na pandemia — dados positivos, como o crescimento de 8% do varejo em junho, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são creditados ao auxílio. Por outro lado, os R$ 600 ainda ajudam a inflar a popularidade do presidente Jair Bolsonaro — inclusive no Nordeste, um reduto do PT —, deixando o ex-capitão mais próximo da reeleição.
Também pesa a favor da renovação do auxílio o fato de o governo ainda não ter apresentado os detalhes do Renda Brasil, programa que, segundo Guedes, vai amparar os brasileiros de baixa renda após o fim do auxílio e da pandemia.
Na terça-feira, ao lado do ministro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi taxativo ao admitir que não há espaço fiscal para uma nova prorrogação dos R$ 600, que custaria de R$ 200 bilhões a R$ 250 bilhões adicionais até o fim do ano. A conta dos atuais cinco meses de pagamento já está em R$ 254 bilhões.
"Temos que construir um caminho. O que nos preocupa é o número enorme de matérias que vai organizar um jeitinho para eclodir o teto de gastos. Explode de um lado, a economia afunda do outro. Temos que ter paciência", disse Maia. Ele defendeu a revisão dos subsídios tributários para que o governo consiga aumentar despesas sem romper o teto.
O rombo elevado das contas públicas neste ano é o maior obstáculo à ampliação do benefício. Sem considerar uma nova prorrogação do auxílio até o fim do ano, o deficit das contas do governo central deve chegar a R$ 787,8 bilhões.
O economista do Senado Leonardo Ribeiro comparou o auxílio emergencial com o Bolsa Família. Um custa mais de R$ 50 bilhões por mês, enquanto o outro, R$ 30 bilhões por ano. "Um programa de renda mínima bem desenhado pode ser mais interessante", defendeu.
Na semana passada, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) disse ao jornal O Globo, que "o Paulo Guedes vai ter que dar um jeito de arrumar mais um dinheirinho para a gente dar continuidade a essas ações que têm impacto social e na infraestrutura".
O ministro Paulo Guedes vem defendendo um valor intermediário entre os R$ 200 do Bolsa Família e os R$ 600 do auxílio emergencial para o Renda Brasil. E já avisou que o novo programa não será para todos os 64 milhões de beneficiários do auxílio, e sim para os 20 milhões do Bolsa Família, mais 6 milhões dos 38 milhões de "invisíveis".
Nota informativa publicada ontem pela Secretaria de Política Econômica (SPE) reforçou o tom de cautela usado pelo Ministério da Economia ao tratar da eventual prorrogação do auxílio emergencial. O documento diz que a retomada de setores como o varejo "corrobora a ideia de que a rápida recuperação do comércio pode ser explicada pelo escudo de proteção criado pelo governo federal, a citar, o programa de manutenção do emprego e o auxílio emergencial para a população mais pobre". Porém, destaca que "é importante indicar que essas políticas são formatadas para o curto prazo, e que as reformas estruturais e a consolidação fiscal são o caminho para o desenvolvimento do país".
"O auxílio emergencial tem um papel importante na economia e na retirada das pessoas da miséria. Ao mesmo tempo, não pode comprometer as contas do governo, senão o país quebra e sequer consegue prover a política social. São dois aspectos que não podem ser dissociados", comentou o economista da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Écio Costa. Ele calcula que o auxílio terá impacto positivo de 2,5% no Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, mas alerta que a explosão do teto de gastos poderia elevar os juros básicos dos atuais 2% para quase 10% ao ano, complicando ainda mais o quadro fiscal.
"Hoje, nada pressiona mais o deficit público do que o auxílio emergencial. O programa é muito custoso. Mas a sua retirada traz mais dificuldades para a recuperação da economia, e o terceiro trimestre vai ser de aumento do desemprego, que é um termômetro importante para o debate político, sobretudo em ano de eleição. Então, também vai ser custoso politicamente tirar o auxílio. O governo pode procurar uma fresta fiscal para acomodar o benefício", ponderou o economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC) Fábio Bentes.
Fonte: Correio Braziliense