Por 316 votos a 165, a Câmara manteve, nesta quinta-feira (20/8), o veto do presidente Jair Bolsonaro ao trecho da Lei Complementar 173/2020 que livrava servidores da saúde e da segurança pública da proibição de reajuste salarial para 2021. A decisão foi um alívio para o governo, após o Senado derrubar o veto na quarta-feira com votos, inclusive, de parlamentares aliados do Executivo. Com o resultado da votação na Câmara, a lei complementar que trata do pacote de ajuda de R$ 125 bilhões a estados e municípios na pandemia permanece com a redação que foi sancionada por Bolsonaro.
A decisão da Câmara é fundamental para a meta da equipe econômica do governo de economizar R$ 130 bilhões dos cofres públicos durante o período de congelamento de salários. A proibição de reajuste de servidores foi uma condicionante para a formalização do socorro federal a estados e municípios. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a despeito de uma série de divergências com o governo, foi um dos principais responsáveis pela articulação que permitiu a manutenção do veto. Após a derrota do Executivo no Senado, ele e parlamentares do Centrão foram acionados pelo Planalto para tentar reverter o resultado negativo.
Com a intenção de demonstrar unidade em torno da manutenção do veto, Maia chegou, ontem, para a usual coletiva de imprensa no Salão Negro acompanhado do líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO); do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR); além do líder do DEM na Casa, Efraim Filho (DEM-PB) e do líder da maioria, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), entre outros. "Primeiro, vamos reafirmar nosso respeito ao Senado. Não é porque o Senado fez uma votação que eu discordo do resultado, que devemos atacar. As votações são democráticas. É o processo. Uma casa vota e a outra revisa", frisou Maia. "Não nos ajuda o ministro da economia atacar o Senado. Atrapalha e pode contaminar nosso processo de votação. Nosso respeito ao Senado, à sua independência, e à democracia e liberdade do voto de cada um dos senadores."
Posteriormente, na tribuna, Maia puxou a orelha da equipe econômica. "Esse projeto é muito interessante. Começou com muita polêmica quando a Câmara dos Deputados decidiu enfrentar um apoio emergencial a estados e municípios, da qual fomos muito atacados pela equipe econômica, e hoje, a construção da solução está passando pela Câmara dos Deputados", alfinetou. "Nada melhor do que o tempo para mostrar que o que nós fizemos e foi tão criticado estava no caminho certo."
Na sessão na Câmara, realizada por meio remoto, a oposição começou tentando obstruir os trabalhos. Depois, orientou as respectivas bancadas a derrubarem o veto. O veto presidencial ao reajuste dos servidores foi oficializado por Bolsonaro a pedido do ministro da Economia, Paulo Guedes, que alertou para risco de um total descontrole nas contas públicas. Após a derrota no Senado, o presidente disse que seria "impossível governar o Brasil", caso a Câmara também derrubasse o veto (leia reportagem abaixo). E Guede afirmou que os senadores cometeram "um crime contra o país".
Nos bastidores, fala-se em uma insatisfação de parte dos senadores por terem ficado fora das negociações de Bolsonaro com o Centrão. Esses parlamentares sentem-se no grupo dos "sem ministério", especialmente depois da escolha de Fábio Faria (PSD-RN) para comandar a pasta das Comunicações. Embora seja genro de Silvio Santos e tenha se aproximado de Bolsonaro, os senadores o veem como um deputado que virou ministro. Falta, segundo eles, um senador na Esplanada.
Batalha
O resultado da votação no Senado gerou um clima de surpresa e, ao mesmo tempo, de revolta no Planalto, especialmente com três parlamentares aliados que votaram pela derrubada do veto presidencial — Izalci Lucas (PSDB-DF), vice-líder do governo no Senado; Jorginho Mello (PL-SC); e Soraya Thronicke (PSL-MS), que, na terça-feira, fez questão de acompanhar Bolsonaro na viagem do presidente a Corumbá. Durante a sessão, o governo contava que ia manter, por pequena margem de votos, o veto, mas, na hora decisiva, os três senadores frustraram as expectativas.
O senador Izalci Lucas afirmou, em entrevista ao Correio, que não pode ser considerado um traidor, por ter informado ao Executivo de que votaria pela derrubada do veto. O parlamentar disse, ainda, que se sente confortável na função de vice-líder, pois trabalha "muito" com o PSDB "para ajudar o governo". Izalci justificou o voto afirmando que a Lei Complementar 173/2020 não proíbe determinado estado ou município de conceder reajuste salarial aos servidores.
"A lei é clara. Ela não permite que você repasse qualquer recurso de ajuda aos estados e municípios para aumento de salário. Então, já proíbe. Se o governador quiser dar o aumento através de outra fonte, ele dá; se não quiser, não dá. Então, não existe nada desse pessimismo que o Paulo Guedes colocou. Que loucura, nós não cometemos crime nenhum", frisou. Ele admitiu a possibilidade de ser substituído na vice-liderança do governo. "Eu estou na liderança ajudando o governo. É um cargo de confiança. Se ele (Bolsonaro) perdeu a confiança, apesar de eu ter avisado antes, ele tem todo o direito de fazer o que quiser", destacou. "A gente vai ter de discutir isso também dentro do partido, porque o PSDB está apanhando muito do governo injustamente."
O apelo de Bolsonaro pela manutenção do veto
Antes da votação na Câmara, o presidente Jair Bolsonaro, temendo um rombo enorme para as contas do país, sinalizou a sua vontade de que a Casa mantivesse o veto estabelecido por ele ao reajuste salarial a algumas carreiras do funcionalismo público, em meio à pandemia do novo coronavírus. "O Senado derrubou um veto que vai dar um prejuízo de R$ 120 bilhões para o Brasil. Então, eu não posso governar o país. Se esse veto (não) for mantido na Câmara, é impossível governar o Brasil. É impossível. É responsabilidade de todo mundo ajudar o Brasil a sair do buraco", alertou, ontem de manhã, ao conversar com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada.
A manutenção do veto interessa ao Planalto não só por causa da possibilidade de economia aos cofres públicos devido à delicada situação financeira do Brasil, agravada pela crise sanitária da covid-19, mas, também, porque não vai atrapalhar os planos do governo federal de estender o auxílio emergencial até o fim deste ano.
A equipe econômica já sinalizou que não vai prorrogar o benefício no valor original de R$ 600 e estuda uma forma de manter o programa sem comprometer ainda mais o orçamento. Nos moldes atuais, o Ministério da Economia estima que o auxílio custe mais de R$ 50 bilhões mensais. Nesse cenário, a permissão para que servidores públicos tivessem aumento de salário dificultaria os planos de Bolsonaro e poderia até inviabilizar mais uma ampliação do auxílio, que foi prolongado pela primeira vez em junho.
A proposta de reajuste salarial a alguns setores do funcionalismo público foi incluída por deputados e senadores durante as discussões do projeto de socorro financeiro de R$ 60 bilhões a estados e municípios por conta da pandemia, ainda no primeiro semestre do ano. Pela forma como foi aprovada no Congresso, a proposta reduziu de R$ 130 bilhões para R$ 43 bilhões a estimativa de economia por parte do governo com o congelamento da remuneração do funcionalismo público até dezembro do ano que vem.
À época da tramitação da matéria no Parlamento, Bolsonaro chegou a dar aval para que fossem poupados do congelamento os profissionais de segurança pública, saúde, educação, militares, trabalhadores de limpeza urbana, agentes penitenciários, assistentes sociais e trabalhadores de serviços funerários. No entanto, foi aconselhado a barrar esse trecho do projeto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que pediu a compreensão de estados e municípios a não comprometer ainda mais os recursos públicos da União em um momento de grave crise econômica.
Ao sancionar o texto, o presidente vetou os reajustes para todas as categorias até o fim de 2021 e ainda congelou as recomposições.
Correio Braziliense