O Tribunal de Contas da União tem o dever de fiscalizar o cumprimento da lei do teto de gastos, mas cabe ao Congresso Nacional determinar os limites do Executivo na gestão do Orçamento. Essa distinção é fundamental, alertou o presidente do TCU, José Mucio Monteiro, em entrevista ao CB.Poder — uma parceira do Correio Braziliense e da TV Brasília. Segundo o presidente da corte, o tribunal estaria se autosabotando se autorizasse uma exceção referente ao máximo que o governo pode gastar.
O descumprimento do teto de gastos tem sido ventilado no governo. O presidente Jair Bolsonaro não descarta a ideia, diferentemente do ministro da Economia, Paulo Guedes. Essa divergência está no centro da estratégia política do governo, que pretende ampliar programas sociais — ontem foi lançado o Casa Verde e Amarela —, estender o auxílio emergencial e estabelecer o Renda Brasil. Esses movimentos, no entanto, pressionam o teto de gastos. "Não pode gastar a mais. Há uma norma que proíbe e ela não pode ser infringida. O TCU não vai dizer para ferir a norma. Estaríamos nos desautorizando a fazer uma análise severa, rigorosa e precisa das contas", analisou.
Monteiro citou o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 para afirmar que a Corte apenas fiscaliza o cumprimento das regras, mas quem as define é o Poder Legislativo. "Essas coisas têm que ser feitas com equilíbrio. Nosso papel é analisar as contas. Naquela época, em 2016, durante o governo Dilma Rousseff, o Tribunal de Contas da União avisou que estava havendo irregularidades, não podia ser daquela forma. Nós não somos legisladores. Não fabricamos leis nem normas, apenas analisamos se as leis que estão sendo feitas estão sendo praticadas com regularidade. Só quem pode mexer com teto de gastos é o Congresso, o TCU não pode dizer: 'faça que eu autorizo'", disse Monteiro.
O presidente do TCU também falou sobre as obras paralisadas no Brasil desde antes da pandemia. Segundo ele, menos de 3% das obras paralisadas no Brasil dependem de órgãos de controle. De acordo com um levantamento feito pela corte, cerca de 97% das obras paradas no país encontravam-se travadas por restrições de outros tipos de instituições, como o Ministério Público e o Ibama.
"Nós esperávamos que o Brasil crescesse 1,5% em 2020. Vamos virar o ano sonhando que ele volte ao patamar normal de crescimento. Na questão das obras paradas, me envolvi nisso e pedi ao presidente do STF, Dias Toffoli, para se envolver também. Diante da sociedade, parecia que nós, do TCU, e os Tribunais de Contas estaduais havíamos paralisado essas obras. Mas fizemos um levantamento preciso, e menos de 3% das obras paradas dependiam de controle. O resto era Ibama, MP, questões na justiça e todas as entidades que podem parar obras no Brasil. Pelos órgãos de controle, era menos de 3% disso tudo", afirmou.
Antes da chegada da covid-19 ao Brasil, ainda em fevereiro, o TCU lançou, junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e sob a coordenação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, um programa de retomada de obras. A cerimônia foi realizada em Goiás. "Houve a criação de um programa chamado Destrava, e inauguramos por Goiás. Priorizou-se, inclusive, as creches, já que havia muitas paradas no estado de Goiás", lembrou Monteiro.
Com o início da crise, no entanto, recursos públicos passaram a ser direcionados principalmente para o combate à covid-19, o que acentuou o problema das obras paradas. Monteiro assegurou que o tribunal tem acompanhado e trabalhado para minimizar os impactos causados. "Estamos analisando tudo, temos feito a análise com órgãos como a ANTT, Ministério dos Transportes. Evidentemente, a nossa economia sofreu uma paralisação gigantesca, e o mundo também. É uma crise única na história, não há precedentes. Temos analisado o adiamento das datas e agendado reuniões para falar sobre as concessões. O TCU tem sido extremamente cauteloso para manter empregos e contribuir para que o país volte ao seu curso normal", disse.
José Múcio Monteiro completará 72 anos em setembro e já anunciou que irá se aposentar do TCU antes do que é previsto pela lei (75 anos). Ele comentou sobre sua decisão dizendo que a quarentena o fez pensar em rever seus planos. "Eu ainda teria cerca de dois anos e meio pela frente. Essa quarentena me fez pensar mais na vida. Eu tenho vários netos. Para quem tem 40 anos, dois anos e meio não fazem muita diferença. Mas para quem tem 72, é muito tempo. Eu resolvi dar esse tempo para mim e dar lugar para alguém novo, com novos projetos e objetivos. Resolvi ser um velho feliz", completou.
*Estagiário sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza
Fonte: Correio Braziliense