Um belo horizonte! De qualquer canto desta ilha magnética, assim descrita nos versos do cantor e compositor César Nascimento, pode-se ver um espetáculo da natureza, em uma pequena porção de terra no meio da baía de São Marcos.
Neste dia 8 de setembro de 2020, a "Cidade dos Azulejos, única capital brasileira fundada por franceses, completa 408 anos de história. A cidade quatrocentona, apesar da idade, mantém-se jovem, bela e com litoral de vastas praias, uma cidade que se orgulha também de possuir o maior conjunto colonial arquitetônico de toda a América Latina. Não tinha como ser diferente: São Luís patrimônio da humanidade, é a Ilha do Amor, a Jamaica e a Atenas Brasileira. São tantos títulos e apelidos carinhosos. Que também revelam mistérios, tesouros históricos, fatos curiosos que muitos desconhecem.
Por isso, nestes 408 anos, O Imparcial se debruçou na história para desvendar alguns segredos desta Ilha de Encantos! Aperte os cintos e embarque nesta viagem cultural através dos séculos!
A data era 8 de setembro do ano de 1612, a esquadra de Daniel de La Touche, senhor de La Ravardière, com pouco mais de 500 tripulantes, chega à ilha do Maranhão para fundar a tão sonhada França equinocial. Ao desembarcarem, foi rezada uma missa e aqui construído o forte Sant-Louis (em português, São Luís), que deu nome à cidade, uma homenagem ao rei Luís XIII que, na época, reinava na França.
Começa aí a historia do desenvolvimento da capital maranhense. Em 1615, mesmo tendo o apoio da população indígena local, os franceses foram expulsos pelos portugueses do território, por tropas comandadas por Jerônimo de Albuquerque. O militar passou a comandar a cidade após a expulsão francesa. Em 1620, foi implantada a lavoura de cana de açúcar e a produção de água ardente passou a ser a principal atividade econômica da região.
Em 1641, dezoito embarcações holandesas invadiram a cidade sob o comando do almirante Jan Cornelisz Lichthart e pelo coronel Koin Handerson. O objetivo dos holandeses seria a expansão da indústria açucareira na região. Antes da invasão, os holandeses já vinham tomando outras cidades do nordeste, como Salvador, Recife e Olinda. Após uma invasão cruel, toda cidade foi saqueada, igrejas e engenhos tomados e roubados. Foi um período de paralisação da economia que só teve fim após a expulsão dos holandeses em 1644, em batalha sangrenta que resultou na morte de muitas pessoas.
Ainda nos primeiros cem anos, São Luís respirou mais conflitos com importância histórica, como a revolta de Beckman. Em meados do século XVII, a principal atividade econômica local estava arrasada pela invasão e expulsão holandesa.
Mesmo com a criação da Companhia de Comércio, a crise se agravou mais ainda, gerando um descontentamento de latifundiários e comerciantes.
A lei que proibia a escravização de indígenas e a irregularidade na destruição de gêneros aliados a elevados preços de produtos resultou na revolta que eclodiu, em 24 de fevereiro de 1624, sob a liderança dos irmãos Manuel e Tomás Beckman, senhores de engenho na região, e de Jorge de Sampaio de Carvalho. Com a adesão de outros proprietários e comerciantes insatisfeitos com o governo e a gestão da Companhia de Comércio, mais de 60 homens se mobilizaram para assaltar os armazéns da Companhia.
A revolta, que durou quase um ano, só teve fim com a chegada do novo governador da província, Gomes Freire, que prendeu os revoltosos e condenou à forca os seus lideres.
Uma outra curiosidade nesse primeiro século que pouca gente sabe foi construção da capela de Bom Jesus dos Navegantes. Essa capela foi a primeira construção em pedra do Maranhão e do Brasil setentrional. Foi construída pelos padres capuchinhos franceses. Já no século XIX, com a construção da igreja de Santo Antônio, a capela foi anexada ao prédio da igreja, estando lá até hoje.
A capela conserva um grande acervo mortuário, restos mortais do alto clero da igreja católica no Maranhão e de famílias da elite maranhense da época, como Ana Jansen, que incialmente foi sepultada no Cemitério dos Passos, onde hoje se encontra o estádio Nhozinho Santos, no bairro da Vila Passos, e depois teve os restos mortais transferidos para a capela.
Em 1706, logo no início do segundo século de existência de São Luís, algo inusitado aconteceu: as formigas maranhenses foram processadas, isso mesmo, processadas! A história foi contada pelos frades capuchinhos do convento Santo Antônio no século XVIII. A ação virou tema de livro "O processo das formigas", do juiz José Eulálio Figueiredo de Almeida (2011).
Na época, as formigas foram enquadradas pelo crime de furto qualificado, por retirarem farinha do depósito dos religiosos que moravam no seminário e por crime de danos ao patrimônio, por cavarem túneis embaixo do edifício dos frades, pondo em risco a vida dos religiosos.
Segundo o historiador Antônio Noberto, da Academia Ludovicense de Letras, a prática era bastante comum em países europeus, isso porque os religiosos acreditavam que, assim como os seres humanos, os animais também eram criação de Deus e, portanto, tinham personalidade jurídica.
O resultado do processo descrito no livro pelo juiz Eulálio foi a condenação das formigas a desocuparem o terreno do prédio onde a instituição religiosa estava localizada.
O caso foi relatado pelo padre Manuel Bernardes, que dava garantias de que o processo realmente existiu, e pelo jornalista João Francisco Lisboa, que também noticiou o caso no passado, afirmando, entretanto, que o fato era fruto da imaginação do padre Bernardes.
Em 1755, o estado atravessava uma crise diante da proibição da escravidão indígena. Um pouco antes, em 1752, uma petição da Câmara Municipal de São Luís foi encaminhada ao então govenador capitão-mor general, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, para a criação da Companhia fundada três anos depois.
O objetivo da Companhia era introduzir escravos africanos nas capitanias do Maranhão e Grão-Pará, para o desenvolvimento da agricultura e comércio. A Companhia foi alvo de muitas críticas de religiosos na Europa e em São Luís. O jurista João Thomas de Negreiros, instigado pelo padre Bento da Fonseca, fez uma petição, alegando a concorrência desleal da Companhia, que gozava de muitos benefícios.
O primeiro ministro de Portugal, Marquês de Pombal, achou a petição ofensiva e mandou punir o jurista, religiosos e comerciantes que apoiaram a petição. Mesmo o despotismo, a Companhia trouxe grandes benefícios a São Luís: o comércio com a metrópole, que antes era inexistente, foi estabelecido, e o movimento que era de um navio por ano para a Metrópole, entre 1760 e 1771, setenta e um navios dali partiram para o reino, transportando, em seus porões, cargas de algodão, arroz, cacau, gengibre, madeira e outras especiarias. O trabalho da Companhia findou com em 1778, por um decreto da rainha Maria I de Portugal.
Ainda nesse período, São Luís viveu um crescimento. Uma das medidas adotadas pelo então ministro do rei de Portugal, Dom José I, Sebastião José de Carvalho Melo, o Marquês de Pombal, em 1791, foi nomear o sobrinho, Joaquim de Melo e Póvoas, como governador do estado do Maranhão e Grão-Pará, que se livrou de graves crises econômica, melhorando a situação social.
Ainda de acordo com o historiador Antônio Noberto, nesse período, o Maranhão viu agricultura e comercio crescerem. Foi nessa época também que a cidade de São Luís cresceu, expandindo para o que hoje se conhece como a região da praça Deodoro e o largo da Igreja dos Remédios.
O próprio Marquês escreveu uma carta ao sobrinho, dando instruções quando veio ao Maranhão:
"O povo que V.Excia. vai governar é obediente, fiel a el-rei, aos seus generais e ministros. Com esta circunstâncias, é certo que há de amar a um general prudente, afável, modesto e civil. A justiça e a paz com que V.Excia. o governar o farão igualmente benquisto, porque, com uma e outra coisa, se sustenta a saúde pública. Engana-se quem entende que o temor com que se faz obedecer é mais conveniente do que a benignidade com que se faz amar; pois a razão natural ensina que a obediência forçada é violenta, e a voluntária, segura." (Trecho da carta de Marquês de Pombal, endereçada ao governador do estado do Maranhão e Grão-Pará.)
Em cada século que atravessou até aqui, São Luís já recebeu diversos nomes, títulos e apelidos muitas vezes carinhosos de algo que marcou a passagem de alguém por essa terra. Ilha de Upaon-Açu (A ilha grande dos índios Tupinabás); Atenas Brasileira (Terra de poetas e escritores); Ilha do Amor (por sua paisagem sugestivas a novos romances); Jamaica Brasileira (pela simpatia e adoção do reggae jamaicano), entre outros.
Além de patrimônio da humanidade, São Luís também ostenta um título pouco conhecido: "La petite ville aux palais de porcelaine", que em português significa: "cidadezinha dos palácios de porcelana". O nome foi dado por um viajante francês chamado Paul Adam, que visitou a cidade na primeira metade do século passado. Ele atribuiu o nome por ficar encantado com o exuberante casaril colonial revestidos de azulejos.
No quarto século, uma historia que até hoje permeia o imaginário das pessoas é a do navio Maria Celeste. A embarcação foi construída no estaleiro Kane Shipbuilding Corp., em Galveston, Texas (Estados Unidos da América). Foi concluída na segunda metade de 1944 e entregue ao Corpo de Transporte Transportation Corps do Exército dos Estados Unidos, com o nome Y-106.
No final da Segunda Guerra Mundial, foi uma das 76 embarcações que integraram o comboio NY119, transportando cargas de Nova York para Falmouth entre setembro e outubro de 1944. Após o fim da guerra, em 1946, a embarcação foi vendida e chegou a Brasil, onde recebeu o nome de Maria Celeste.
Até hoje, não foi possível determinar as reais causas do incêndio que aconteceu no início da manhã do dia 16 de março de 1954. O Maria Celeste estava a apenas 500 metros da costa e tinha como total de carga 744,5 toneladas de combustível em tambores.
Os relatos são de que o fogo teria sido provocado por uma faísca que saiu de um dos tambores de um dos guindastes do navio e atingiu um cilindro de gasolina. Outra versão sustenta que a faísca teria sido provocada por uma falha elétrica, atingindo a gasolina que se espalhou rapidamente pelo convés navio.
O navio queimou continuamente por três dias, até que afundou, na manhã de 19 de março. Ao todo, o acidente matou 16 pessoas, sendo 12 estivadores e 4 tripulantes. Uma visão inesquecível para quem presenciou com os olhos o acidente. A pedagoga Maria Arizete Pacífico, na época, tinha 7 anos de idade e estudava em uma escola na Ponta d"Areia. A imagem ficou na memoria dela até hoje.
"Nós não sabíamos que eram os tambores, a cada explosão os tambores saltavam para o ar e explodiam caindo minutos depois no mar. Fogo subia como uma tocha e, por várias horas, o mar ficou neblinado de fogo por causa do óleo que derramava. Uma fumaça muito escura cobria a beira-mar, onde aconteceu a explosão" relata Arizete. "Dias depois, pescadores traziam para terra os tambores que sobraram do navio que foram recolhidos pelo governo", relembra a professora.
Outra curiosidade nos últimos cem anos de São Luís foi a criação da barragem do Bacanga. A construção dela foi entre 1968 e 1973. O intuito da construção da barragem foi reduzir a distância entre a sede da cidade e o porto do Itaqui, de 36km para 9km, além de promover o saneamento de áreas com a criação da represa que submergiria os manguezais e o lodo existente que apareciam nos períodos de maré baixa. A conclusão das obras também favoreceu a ocupação imobiliária decorrente do crescimento da cidade, favorecendo o surgimento de novas áreas urbanas
Em cinco anos de construção, as obras sofreram várias paralisações até a conclusão, na década de 1970. Durante a elaboração do projeto, existiu um interesse de um aproveitamento energético do ciclo de marés. A ideia foi proposta em 1968 ao governo do estado sobre a implantação de uma usina maré-motriz, utilizando a infraestrutura construída, entretanto, os equipamentos necessários para a geração de energia nunca foram instalados. Entre as causas da não instalação da usina está a ocupação urbana às margens do reservatório e a construção da avenida Médici, em 1973, que obrigou o nível da lâmina de água a ficar bem abaixo da sua capacidade real, o que contribui ainda mais para a ocupação de áreas que ficariam submersas, como é o caso do polo Corodinho e dos bairros Coroado e Areinha.
Em 408 anos, muita coisa aconteceu na cidade de todos os ludovicenses e visitantes que se apaixonam e por aqui acabam ficando. A história de São Luís é construída pela história de cada povo e cada gente que, desde 1612, ajuda a construir um legado de cultura, memórias, costumes e vida
Fonte: O Imparcial