O ministro da Economia, Paulo Guedes, não exibe a mesma força que tinha quando assumiu o cargo em janeiro de 2019. Ao longo do tempo, ele e a equipe têm enfrentado repreensões públicas cada vez mais frequentes do presidente Jair Bolsonaro. Na última semana, o ministro conhecido como Posto Ipiranga chegou a ser interrompido, durante entrevista a jornalistas, pelo ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e pelo líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PB). Foi mais um constrangimento, poucos dias após o presidente ameaçar a equipe econômica com "cartão vermelho" na fatídica decisão de suspender o programa Renda Brasil.
Analistas ouvidos pelo Correio estão divididos sobre o pano de fundo desta nova crise, na qual o Posto Ipiranga fica visivelmente enfraquecido e a pasta pode passar por novo processo de desmonte. Até mesmo fontes próximas ao ministro não entendem por que ele anda tão dócil e aceita as humilhações públicas. No mercado, é crescente a preocupação de que o ministro já estaria admitindo a queda do teto de gastos em troca da nova CPMF, ideia fixa do chefe da equipe econômica. O sintoma mais nítido veio com o dólar, que voltou a subir e passou da casa de R$ 5,50.
As críticas de Bolsonaro à equipe econômica, ao anunciar a suspensão do Renda Brasil, e, em seguida, dar sinal verde para o Senado criar um novo programa são mais ingredientes da fritura de Guedes. Assessores próximos tentam negar qualquer crise ou eventual saída do ministro. Mas, o que mais tem preocupado analistas é o flerte do presidente com uma agenda populista e com medidas como recomendar a derrubada do próprio veto para o perdão de dívidas tributárias de igrejas, na contramão da agenda fiscalista defendida por Guedes e sua equipe.
Com o aumento da popularidade entre os mais pobres em razão do auxílio emergencial de R$ 600, a ala desenvolvimentista ganha espaço no governo. Bolsonaro busca uma plataforma eleitoral para 2022, que ganhou prioridade na estratégia do Planalto. Os dados das últimas pesquisas só reforçam que é por esse caminho que Bolsonaro pretende seguir para pavimentar a reeleição. Assim, os atritos entre o Planalto e o Ministério da Economia serão cada vez mais frequentes, especialmente quando houver pressões da equipe econômica para que Bolsonaro tome decisões impopulares a fim de evitar riscos de um processo de impeachment por crime de responsabilidade. Foi o caso do veto para o perdão de R$ 1 bilhão de dívidas de igreja. Bolsonaro obedeceu a Guedes, mas mostrou que estava informado ao recomendar a derrubada do próprio veto.
A tensão é cada vez maior no Ministério da Economia. Contudo, o mal-estar com o Planalto também é visto como um jogo de cena do Bolsonaro. Enquato ele fica com a imagem de que defende os "pobres e paupérrimos", a turma de Guedes assume o papel de "estorvo útil", pregando menos gastos para evitar que o presidente cometa crime de responsabilidade fiscal. Não à toa, o presidente procurou mostrar irritação com a indiscrição da equipe econômica, ao vazar propostas antes de passar pelo crivo do Planalto. Foi o caso do secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, que ficou na berlinda após revelar o plano de congelamento de aposentadorias. Desde a crise do cartão vermelho, Waldery não aparece nas entrevistas da pasta. Cancelou a apresentação do relatório de avaliação de receitas e despesas do governo e mandou a assessoria só divulgar o documento no fim do dia, algo que nunca havia acontecido antes com este importante relatório do Orçamento público.
Leandro Consentino, professor de Ciência Política do Insper, descreve as razões do Planalto. "Bolsonaro quer o bônus de beneficiar a parcela mais pobre da população, porque isso dá popularidade. E essa estratégia de desautorizar a equipe econômica para criar o Renda Brasil e tentar um caminho alternativo via Congresso mostra bem isso e faz com que Guedes fique isolado como uma voz dissonante no governo", resume. Há outras leituras, mais incisivas. "O presidente sofre de sincericídio. Ele externa as restrições que está sofrendo como presidente da República. Mas, isso mostra que ele não tem manejo de um estadista", avalia o cientista político norte-americano Christopher Garman, diretor do Eurasia Group, em Washington.
O Ministério da Economia atravessa um processo de esvaziamento devido ao enfraquecimento da agenda liberal defendida por Guedes em meio à pandemia. Diante do forte aumento de gasto público adicional neste ano, que já chega a 8,4% do Produto Interno Bruto (PIB), a dívida pública vai explodir neste ano, chegando perto de 100% do PIB e deverá continuar crescendo sem parar na próxima década, pelas estimativas do mercado. Para piorar, em vez de sinalizar que vai continuar comprometido com a responsabilidade fiscal, o presidente tende a seguir os defensores para uma política econômica mais desenvolvimentista, liderados pelos ministros Rogerio Marinho (Desenvolvimento Regional), Braga Neto (Casa Civil) e Tarcisio Freitas (Infraestrutura).
Essa agenda prevê, inclusive, aumento de investimentos do governo em infraestrutura, nos moldes de programas antigos, inclusive, petistas. A sorte de Guedes é a dificuldade do trio em definir o programa Pró-Brasil e muito menos em encontrar espaço no Orçamento de 2021 para a empreitada, pois a margem para novas despesas para cumprir o teto é zero.
Em encontros reservados, Marinho tem falado a investidores que Guedes não está mais à frente das negociações com o Congresso e o Planalto vai liderar esse esforço, em um claro sinal de que o poder de negociação do superministro diminuiu. Analistas reconhecem que, nos próximos meses, Guedes deve ficar ainda mais fragilizado, porque a disputa por recursos no Orçamento já começou, e as pastas que devem perder verba estão chiando. No meio dessa disputa, Guedes não tem a mesma influência sobre Bolsonaro que tinha durante a campanha. Contudo, o presidente sabe que, se rifar o ministro, como fez com Sérgio Moro, corre o risco de perder o que resta de credibilidade do governo junto ao mercado. O chefe da equipe econômica é visto como o grande defensor da manutenção do teto de gastos, a âncora fiscal que sobrou em meio à recessão provocada pela pandemia.
"O presidente tem medo de que a saída de Guedes possa minar a recuperação da economia, por isso, ele ainda tenta defender o teto de gastos. Ele sabe que a saída do ministro abre caminho para uma crise fiscal", destaca Christopher Garman. Na opinião do cientista politico, há risco de Guedes deixar a Esplanada durante os próximos três a quatro meses de discussão do Orçamento. "Se ele sair, o dólar vai a R$ 6, todo mundo entra em pânico com a perspectiva de explosão da dívida", aposta. Para ele, o nome ventilado como substituto de Guedes, o do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, "não faz sentido".
O professor do Insper Leandro Consentino avalia que Guedes passa por "um processo de fritura em fogo brando". A economista e consultor Zeina Latif, por sua vez, considera o ministro cada vez mais isolado. Para ela, um dos principais problemas na gestão do ministro é a falta de uma agenda mais clara na área econômica. "Desde o início, não há uma uma coordenação. A única pauta clara era a reforma da Previdência. Depois dela, não houve mais uma definição do que era prioritário", afirma Zeina.
Ela lembra que a equipe econômica mandou, no fim de 2019, várias PECs (Propostas de Emenda à Constituição) para o Senado e Paulo Guedes tem falhado por não conseguir o devido convencimento da importância de determinadas pautas. "No caso da privatização, o ministro mal conseguiu colocar no papel uma agenda consistente. Eu vejo uma postura do governo falha, sem a Casa Civil puxando as discussões com o Congresso sobre as prioridades, como ocorria em outros governos mais bem articulados. Paulo Guedes está muito isolado. As divergências em um governo são normais. Antes, havia brigas entre Planejamento e Fazenda, mas falta alguém para arbitrar melhor qual é a agenda que o governo vai tocar", destaca Zeina.
O presidente tem medo de que a saída de Guedes possa minar a recuperação da economia, por isso, ele ainda tenta defender o teto de gastos. Ele sabe que a saída do ministro abre caminho para uma crise fiscal"
Christopher Garman,
diretor do Eurasia Group
Apesar das idas e vindas no humor do presidente Jair Bolsonaro em relação ao ministro da Economia, Paulo Guedes, a economista Elena Landau acredita que o chefe da equipe econômica só deixará o governo se for demitido. "Ele e Bolsonaro são muito parecidos em tudo. E Guedes é mais integrante do núcleo ideológico do que ministro. Se sair por vontade própria, seria um fracassado", observa Landau. Ela descarta um processo de fritura de Guedes, mas reconhece que a maior derrotada dessa crise no governo é a agenda liberal. "Guedes não propôs nada relevante. Se tivesse feito as reformas no primeiro semestre de 2019, teria mais espaço agora", analisa.
No entender de José Márcio Camargo, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-RJ) e economista-chefe da Genial Investimentos, a única derrota que fará Guedes deixar o governo é se Bolsonaro autorizar qualquer flexibilização no teto. "Apesar de toda a confusão em torno do Renda Brasil e de ele ter lançado o ônus da responsabilidade de criação do programa para o Congresso, Bolsonaro sinalizou que vai obedecer ao teto de gastos", afirma. Contudo, Camargo reconhece que o conflito interno é ruim para os investimentos e para os negócios em uma economia em recessão. "Tem muita confusão no governo, mas acho que Bolsonaro ainda quer o Renda Brasil. Porém, ele só vai colocar um programa parecido, ampliando o Bolsa Família, se ele couber no teto", aposta.
Camargo considera que a agenda liberal de Guedes está evoluindo. Um dos grandes trunfos será o debate sobre as prioridades do Orçamento de 2021 com as limitações do teto de gastos. "Isso é muito positivo, porque nunca aconteceu. E é assim que se faz uma discussão dentro de um plano democrático", pontua o analista. Ele acredita que, por conta da briga por recursos do Orçamento, nos próximos meses, os ataques ao ministro dentro do governo deverão aumentar.
Como amigo do ministro, Camargo acredita que, se depender de Guedes, ele fica no governo até o fim. "Ele é muito determinado. E, nesse horizonte, a única derrota que faria ele desistir de continuar no governo é se mudarem o teto de gastos. Esse é realmente o que poderia fazer com que o ministro fique incomodado a ponto de sair do governo."
O economista da Genial fez uma analogia sobre a situação de ministro nessa discussão do Orçamento. Ele está atravessando um corredor polonês. De um lado, investidores preocupados com o Brasil ficar insolvente; e do outro, as necessidades do país. "Guedes está passando por um corredor e levando pauladas de todos os lados. Passou pela metade dele. E, com a pandemia, esse corredor ficou mais fino. Se chegarmos, no fim do ano, com o Orçamento aprovado e com o fim da vinculação de despesas, vai ser um ganho espetacular."
Dados da Instituição Fiscal Independente (IFI) apontam que as despesas do Orçamento de 2021 estão subestimadas e o governo ainda vai precisar cortar R$ 20,4 bilhões de despesas para respeitar o teto de gastos. Para o economista José Luis Oreiro, o limite às despesas não se sustenta, porque não é crível em meio à recessão provocada pela pandemia. "Não se reduz gasto nem se aumenta imposto no meio de uma crise. Mas, o pior para a atividade, é a redução de gasto", afirma o economista desenvolvimentista. "É preciso criar uma nova âncora fiscal ou aperfeiçoar o teto para que seja crível do ponto de vista econômico e social", completa. (RH).