O coordenador de advocacy da organização não governamental Pimp My Carroça, Carlos Thadeu Oliveira, que desenvolveu a plataforma, aponta que a estimativa é conservadora e que o impacto é ainda maior. “Só para ter uma ideia, podemos inferir que, em São Paulo, temos algo entre 15 mil e 30 mil catadores informais”, estimou. O dado foi projetado a partir de bases de densidade de habitantes por catador, considerando censos realizados em outras cidades, como Santo André e Porto Alegre. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil tem pelo menos 800 mil catadores.
O relatório lembra que o catador autônomo está na rua sem vínculo de emprego, em um cenário de trabalho duro e pouco receptivo por parte da sociedade. Nesse sentido, o levantamento mostra que metade dos usuários do Cataki entrevistados já foi impedida de entrar em estabelecimentos comerciais, 67% foram vítimas de preconceito e 63% apontam terem sido vigiados de perto por seguranças. Para os que não usam a plataforma, 26% disseram já ter tido a carroça apreendida pela prefeitura. Para os que estão cadastrados, 21% tiveram o instrumento de trabalho recolhido.
“[Precisamos] cessar as ações de repressão aos catadores, de apreensão de carroças. Eles são vistos como bandidos ou criminosos que estão disputando reciclável nas cidades. Não é isso. Na verdade, eles fazem todo trabalho de reciclagem desde sempre. Essas prefeituras precisam cessar esse tipo de medida repressiva que são vexatórias e, inclusive, preconceituosas”, critica o coordenador da Pimp My Carroça.
Em relação ao perfil sociodemográfico, 72% dos catadores que usam o Cataki se identificam como negros e pardos. Os não cadastrados somam 81%. “[Entre os usuários da plataforma] É um perfil um pouco mais branco do que o perfil geral dos catadores, mas, mesmo assim, dá para ver que é que é uma categoria profissional que sofre bastante com o racismo ambiental, porque o percentual de preto e pardos é muito maior do que na população em geral”, afirma Oliveira.
Apesar de não ser possível estabelecer uma causalidade direta, ele avalia que a diferença pode estar relacionada ao fato de que a pessoa que utiliza o aplicativo já vem de uma condição socioeconômica melhor e também de maior escolaridade. Entre os usuários do app, 28% concluíram o ensino médio ante 15% entre os não usuários. Entre os não cadastrados, 36% não concluíram o ensino fundamental 1, e 14% dos cadastrados estão nessa faixa.
Entre os entrevistados, os homens são maioria: 75% de não usuários, enquanto 62% entre usuários em São Paulo. Em Belo Horizonte, 80% dos não usuários do aplicativo são homens contra 56% de não usuários. Na capital mineira, 44% das usuárias do aplicativo são mulheres. Já no Rio de Janeiro, 66% dos usuários do aplicativo são homens, e entre não usuários o número sobe para 76%. “Muito provavelmente, pode ser que o aplicativo traga alguma segurança maior para mulheres que fazem esse ofício”, sugere o coordenador.
“A maioria [das pessoas] olha pro catador como que a última opção que o cara tinha era essa. No olhar da sociedade, não é uma escolha, mas uma falta de opção. Não é o mesmo olhar que nós temos como profissional. É um serviço digno”, comenta um dos entrevistados na etapa qualitativa da pesquisa.
Oliveira reforça que o objetivo da pesquisa é chamar atenção para esses trabalhadores que são vistos a todo momento nas ruas, mas que, em termos de números e políticas públicas, são invisíveis. “[Queremos] trazer o início do debate em torno das quantidades, desses valores que são movimentados por mãos que são pretas, que são vulneráveis, que são invisíveis e não são objetos de nenhuma política pública efetiva.”
Uma das ações propostas é inserir os catadores de forma remunerada na coletiva seletiva. “Já temos algumas cooperativas que são incluídas, mas elas têm uma renda absolutamente insignificante”, avaliou. Segundo o coordenador, em alguns modelos, o envolvimento das cooperativas é feito com a compra do material reunido por eles, mas Oliveira defende que eles deveriam ser pagos pelo serviço efetivamente prestado.
Ele também defendeu o pagamento por serviço ambiental. “Você está aqui entregando recurso ambiental poupado e deveria ter uma renda mais ou menos fixa por isso. Isso é interessante porque tira o catador da flutuação de preço de mercado do reciclável.”
Além do Poder Público, o coordenador chama atenção para o papel das empresas. “As empresas devem olhar para eles como pessoas que prestam um serviço super qualificado, porque, vale dizer, que a reciclagem feita pelo catador é muito mais eficiente do que uma coleta feita por um caminhão compactador que mistura tudo.”
A pesquisa completa pode ser encontrada no site da ONG Pimp My Carroça.
Fonte: EBC